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Cultivar e guardar a criação é também missão da Igreja!

“Cuidar da Casa Comum é nossa missão”

Por: Dener Evangelista Barbosa de Sales
Seminarista do 1° Ano de Teologia – Diocese de São Mateus

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O Estado do Espírito Santo vem enfrentando a pior seca dos últimos 80 anos, e os municípios que compõe o território de nossa diocese apresentam situações bem alarmantes. O mau uso do solo, o avançado desmatamento, a devastação das margens e o descarte do esgoto em nossos rios, a não preservação das nascentes, o desregrado uso da irrigação, modos de produção agrícola não sustentáveis, e maus hábitos no uso da água agravaram ainda mais a situação que vivenciamos no norte do nosso Estado.

A Igreja, não só agora, mas já há algum tempo, vem chamando a atenção dos cristãos para a necessidade de um modelo de vida mais sustentável. Atualmente esse chamado tem ressoado mais forte através da voz, dos gestos e atitudes do Papa Francisco. A opção preferencial pelos pobres também nos leva a assumir a bandeira ecológica, pois “entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm 8,22)” (LS 2).

O papa Francisco nos lança uma pergunta: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem nos suceder, às crianças que estão crescendo?” e aprofunda mais ainda a questão, pois ela toca ainda o sentido da existência humana nesse mundo criado: “Com que finalidade passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta Terra?” (LS 160).

Cuidar do planeta não é um mandato atual, devido às necessidades dos nossos tempos, mas remonta aos primórdios, à criação do mundo. Encerrando o mês missionário que nos recordou com o seu tema que “Cuidar da Casa Comum é nossa missão” – também a Campanha da Fraternidade Ecumênica desse ano refletiu sobre isso –, somos convidados a ouvir novamente a voz do Senhor, o mandato que Ele nos deixou ao criar-nos e colocar-nos nesse belíssimo jardim.

Na primeira narrativa da criação (Gn 1,31-2,4a), após todas as outras criaturas, no sexto dia Deus cria o homem, sua última obra e deixa-lhe um mandato “submeter e dominar a terra” (cf. Gn 1,28). Interpretações equivocadas desse trecho, principalmente à luz do paradigma do progresso ilimitado, ou da “mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta” (LS 106), levaram as pessoas a explorar ao máximo a terra, o homem se transformou num predador. Pensadores não cristãos acusam o cristianismo, baseados nessa ordem de Deus, de promover uma consciência exploradora nos homens, fazendo-os sentir-se os donos da Terra.

Mas sabemos que um grande erro que se pode cometer na interpretação da Sagrada Escritura é reduzir toda a mensagem da Palavra de Deus a apenas um versículo, ou um trecho. A Bíblia deve ser lida levando em consideração a sua totalidade, isto é, se um trecho nos parece obscuro, podemos encontrar em outros uma luz que nos ajude a compreendê-lo melhor. A segunda narrativa da criação (Gn 2,4b-25) deixa mais claro para nós o sentido da presença humana nesse jardim: “cultivar e guardar”. “Enquanto ‘cultivar’ quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, ‘guardar’ significa proteger, cuidar, preservar, velar” (LS 67). A segunda narrativa não se opõe à primeira, mas a ilumina e lhe dá o melhor entendimento. Deus é o agricultor do jardim, e nele coloca o homem, no meio das coisas que criou (cf Gn 2,8.15). “Estas narrações sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra” (LS 66). Interpretando sob esse ponto de vista, percebe-se que o homem não está na criação como o “cume de uma pirâmide”, ou “coroamento e como finalidade de tudo quanto foi criado” (RUBIO, 2011, p. 229), mas que ele está no meio, “é uma criatura entre as criaturas, mesmo se neste mundo criado ele tenha uma evidente centralidade” (LADARIA, 2014, p 37).

E a respeito do mandato de dominar e submeter, é um chamado de Deus ao homem para ser um “administrador responsável” (LS 117), um “pastor” de toda obra criada. Obra que não nos pertence, pertence a Deus. Na morte e ressurreição, Cristo reconciliou o mundo com o Pai (cf. 2Cor 5,19). O homem, vivente nesta terra, é chamado a unir novamente os laços vitais que foram rompidos: com Deus, com o próximo e com a natureza. Para isso, o papa Francisco insiste e em sua encíclica que “tudo está interligado” (LS 16). O homem precisa superar a sua compreensão equivocada, e sentir-se membro, filho da terra, como aquele que está no meio da criação para cultivar e guardar.

O modelo é Cristo, o Homem Novo, do qual Paulo convida a revestir-nos, deixando o nosso modo de vida antigo, o homem velho corrompido, para nos renovarmos através da verdade que nos foi ensinada em Jesus (cf. Ef 4,20-24). “Não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia sem uma adequada antropologia” (LS 118). A lei do amor deixada por Jesus estende-se a terra, com a qual somos chamados a estabelecer uma relação de fraternidade, ou ainda, de a termos como uma boa mãe (LS 1), pois de sua matéria fomos criados.

O convite, enfim, é a conversão. Ao redescobrirmos o nosso lugar na natureza – não como donos, mas administradores – percebemos que nossas atitudes precisam ser mudadas. Como pessoas de fé, devemos unir à nossa prece pelas chuvas necessárias uma outra prece pela conversão do coração e das atitudes, para sermos pessoas novas na relação com a natureza. Sem a necessária conversão, mesmo que chova, o problema persistirá, pois ainda não estamos educados corretamente. A Casa Comum foi oprimida e ferida por nossas mãos, que estas mesmas mãos agora se transformem em generosas cuidadoras do planeta. Cultivar e guardar a criação é também missão da Igreja!

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