MEDITAÇÕES MATUTINAS
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Do pecado à corrupção
29 de Janeiro de 2016
Publicado no L’Osservatore Romano, ed. em português, n. 05 de 04 de Fevereiro de 2016
Uma oração por toda a Igreja, para que nunca passe do pecado para a corrupção, foi proposta pelo Papa durante a missa. Referindo-se à primeira leitura — tirada do segundo livro de Samuel (11, 1-4.5-10.13-17) — Francisco observou imediatamente: «Ouvimos aquele pecado de Davi, aquele grave pecado do santo rei Davi. Porque Davi é santo, mas também pecador, foi pecador». Com efeito «há algo que muda na história deste homem». De fato aconteceu que «no tempo da guerra, Davi enviou Joabe com os seus servos para combater e ele ficou no palácio». Normalmente «ele chefiava o exército», mas desta vez teve outro comportamento.
A narração bíblica, explicou o Papa, «mostra-nos um Davi mais acomodado, mais tranquilo, não no bom sentido da palavra». A ponto que «num final de tarde, depois da sesta, enquanto passeava no terraço do seu palácio, vê a mulher e sente a paixão, a tentação da luxúria e cai no pecado». A mulher era Betsabé, esposa de Urias, o hitita. Trata-se por conseguinte de «um pecado». E Deus, observou Francisco, «amava muito Davi».
Em seguida «a situação complica-se porque, transcorrido um pouco de tempo, a mulher informa o rei de que estava grávida». O seu marido — frisou o Papa — «combatia pelo povo de Israel, pela glória do povo de Deus». Enquanto «Davi atraiçoou a lealdade daquele soldado pela pátria, atraiçoou a fidelidade daquela mulher a seu marido e caiu na baixeza».
E «quando recebeu a notícia de que a mulher estava grávida — questionou-se o Pontífice — o que fez? Foi rezar, pedir perdão?». Não, ficou «tranquilo» e disse a si mesmo: «eu resolvo». Assim convocou «o marido da mulher e fez com que se sentisse importante». Lê-se no trecho bíblico que Davi «lhe perguntou como estavam Joabe e o exército e como decorria a guerra». Em síntese, «uma pincelada de vaidade para o fazer sentir um pouco importante». E depois ao agradecer-lhe «fez-lhe uma doação», recomendando-lhe que fosse para casa repousar. Deste modo Davi «queria esconder o adultério: aquele filho teria sido o filho do marido de Betsabé».
Mas «este homem — prosseguiu o Papa — era uma pessoa com espírito nobre, tinha grande amor e não foi a casa: pensou nos seus companheiros, pensou na arca de Deus debaixo das tendas, porque levavam a arca, e passou a noite com os seus companheiros, com os servos, e não foi imediatamente ter com a sua esposa». Assim «quando avisaram Davi — porque todos sabiam o que tinha acontecido, os mexericos espalham-se — imaginem!».
Então «Davi convidou-o para comer e beber com ele, perguntando-lhe — e aqui o texto é um pouco limitado — “porque não foste a casa?”». E a resposta do homem nobre foi: «Teria eu a coragem, enquanto os meus companheiros estão debaixo das tendas, a arca de Deus está debaixo da tenda, em luta contra o inimigo, de entrar em minha casa para comer, beber e dormir com a minha mulher? Não! Não o posso fazer». E assim «Davi voltou a chamá-lo, deu-lhe de comer e de beber outra vez e embriagou-o». Mas «Urias não voltou para sua casa: passou a segunda noite com os seus companheiros».
Por conseguinte, prosseguiu o Papa, «Davi encontra-se em dificuldade, mas pensou para consigo: “Não importa, eu resolvo”». E assim «escreveu uma carta, como ouvimos: “Coloca Urias na frente, onde o combate for mais aceso, e não o socorras, para que ele seja ferido e morra”». Em poucas palavras, trata-se de uma «condenação à morte: este homem, fiel — fiel à lei, fiel ao seu povo, fiel ao seu rei — é condenado à morte».
«Eu — confidenciou Francisco — questiono-me ao ler este trecho: onde está aquele Davi, jovem corajoso que vai ao encontro do filisteu com a sua seta e com as cinco pedras e lhe diz: “A minha força é o Senhor”? Não, não são as armas. Até as armas de Saul não estavam bem para ele».
«É outro Davi» frisou o Papa. Com efeito «onde está aquele Davi que, sabendo que Saul o queria matar, teve por duas vezes a oportunidade de matar o rei Saul e disse: “Não, não me permito tocar o ungido do Senhor”?». A realidade, explicou Francisco, é que «este homem mudou, este homem amoleceu». E, acrescentou, «vem-me à mente um trecho do profeta Ezequiel, capítulo 16, versículo 15, quando Deus fala ao seu povo como um esposo à sua esposa e diz: «Entretanto, tu confiaste demais na tua aparência, e por te vangloriares da tua beleza usaste a tua fama para te corromperes e prostituíres. Esquecestes-te de mim”».
Foi precisamente «o que aconteceu com Davi naquele momento», insistiu Francisco: «O grande, o nobre Davi confiou demais em si, porque o reino era forte, e assim pecou: pecou por luxúria, pecou por adultério e assassinou também injustamente um homem reto, para encobrir o seu pecado».
«Este é um momento na vida de Davi — observou o Pontífice — que poderíamos aplicar à nossa: é a passagem do pecado para a corrupção». Aqui «Davi começa, dá o primeiro passo para a corrupção: obtém o poder, a força». Por isso «a corrupção é um pecado mais fácil para todos nós que temos algum poder, tanto eclesiástico, como religioso, econômico ou político». E «o diabo faz-nos sentir seguros: “Eu resolvo”». Mas «o Senhor amava tanto Davi, tanto, que depois mandou refletir a sua alma: enviou o profeta Natã para refletir a sua alma; e ele arrependeu-se, chorou — “pequei” — e deu-se conta».
«Eu — disse ainda Francisco — gostaria de sublinhar hoje este aspecto: há um momento no qual o hábito do pecado ou um momento em que a nossa situação está tão segura e somos bem considerados e temos tanto poder, tanto dinheiro, não sei, muitas coisas». Até «a nós sacerdotes pode acontecer isto: a ponto que o pecado deixa de ser pecado e torna-se corrupção. O Senhor perdoa sempre. Mas um dos aspectos mais negativos relacionados com a corrupção é que o corrupto não precisa de pedir perdão, não tem coragem».
Por conseguinte, o Papa convidou a rezar «pela Igreja, começando por nós, pelo Papa, bispos, sacerdotes, consagrados e fiéis leigos: “Senhor, salva-nos, salva-nos da corrupção. Senhor, todos somos pecadores, mas nunca corruptos!». Peçamos ao Senhor, concluiu, esta graça.