Menu

Missa da Unidade: Benção dos Santos Óleos e renovação das Promessas Sacerdotais

Homilia do Bispo Diocesano

Reverendíssimos e amados Presbíteros, Diácono, Religiosos e Religiosas, Seminaristas, representantes das paróquias, autoridades constituídas ou representadas e todo povo santo de Deus. Minha saudação fraterna também aos irmãos e irmãs de outras denominações religiosas e aos queridos ouvintes da Rádio Kairós (a rádio da família) e demais meios de comunicação social. 

Com o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor deu-se início à Semana Santa. A liturgia de hoje, da bênção dos Santos Óleos e da renovação das promessas sacerdotais é regada com o espírito da Semana Santa. Por necessidade pastoral a nossa Diocese celebra nesta terça-feira (26/03/24), mas em Roma e em várias Dioceses celebram na Quinta-feira Santa pela manhã, o dia da última ceia: dia da instituição da Eucaristia e do Sacerdócio.

Amados irmãos e irmãs em Cristo Jesus, nos anos anteriores, por diversas vezes eu trouxe alguns verbos para iluminar esta liturgia e a nossa missão. Hoje, trago alguns pontos de oração e reflexão a partir da ação do Espírito Santo em nosso ministério e das palavras do santo Padre. Conforme diz o Papa Francisco: “O Espírito Santo está na origem do nosso ministério”.

A própria liturgia deste dia nos aponta um caminho de escuta e de reconhecimento da ação do Espírito de Deus em nós.  “O Espírito do Senhor está sobre mim. Sem Ele não há vida cristã e sem a sua unção, não há santidade. O Espírito é o protagonista e é bom hoje, no dia do nascimento do sacerdócio, reconhecer que Ele está na origem do nosso ministério, da vida e da vitalidade de cada Pastor. Sem Ele, nem sequer a Igreja seria a Esposa viva de Cristo, mas no máximo, uma organização religiosa; não seria o Corpo de Cristo, mas um templo construído por mãos humanas. Então, como edificar a Igreja senão a partir do fato de sermos ‘templos do Espírito Santo’ que habita em nós? Não podemos deixá-lo fora de casa ou arrumá-lo em qualquer área devocional” (Papa Francisco).

– A ação do Espírito não é estendida a grupos de privilegiados, “cada um de nós pode dizer: O Espírito do Senhor está sobre mim. Não é presunção, mas a realidade, já que cada cristão e de modo particular cada sacerdote, pode fazer suas as palavras, que se lhe seguem: ‘porque o Senhor me consagrou com a unção’. Sem mérito nosso, por pura graça, recebemos uma unção que nos fez pais e pastores do Povo santo de Deus” (Papa Francisco).

– O que nos motiva a caminhar, é recordar e contemplar como o Espírito Santo age no Cristo Sacerdote e Pastor. A primeira ‘unção’, aconteceu no ventre de Maria. Jesus foi gerado por obra do Espírito Santo. Em sua vida pública o “Espírito desceu sobre Jesus no Jordão e a partir de então, Cristo e o Espírito trabalham sempre juntos, como se fossem as duas mãos do Pai, que estendidas para nós, nos abraçam e se levantam. E por elas, foram marcadas as nossas mãos, ungidas pelo Espírito de Cristo. Sim, meus irmãos, o Senhor não se limitou a escolher-nos e chamar-nos, mas infundiu em nós a unção do seu Espírito, o mesmo que desceu sobre os Apóstolos” (Papa Francisco).

Fixemos o nosso olhar na vida e missão dos Apóstolos. A primeira unção dos apóstolos já está no próprio chamado. “Jesus sabia que eles, sozinhos, não conseguiriam e por isso, prometeu-lhes o Paráclito. E foi aquela ‘segunda unção’, no Pentecostes, que transformou os discípulos, levando-os a apascentar o rebanho de Deus e já não a si mesmos” (Papa Francisco). Esta segunda unção transformou completamente a vida dos apóstolos. De homens inseguros e medrosos, sem força e coragem para lutar, com portas fechadas por medo dos judeus, estagnados em si mesmos, ao ouvirem as palavras de Jesus em Pentecostes: “Assim como o Pai me enviou eu também vos envio. Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22), mudaram completamente de atitudes e comportamentos. A partir deste momento, eles se reencantaram,  transformaram-se nos melhores e maiores corajosos e partiram para a missão. Pelo testemunho de cada discípulo, o Evangelho chegou ao mundo inteiro, inclusive aqui em São Mateus.  

“Foi aquela unção de fogo que extinguiu uma religiosidade centrada neles mesmos e nas próprias capacidades: acolhido o Espírito, evaporam-se os medos e as hesitações de Pedro, Tiago e João, consumidos pelo anseio de dar a vida, deixam de procurar lugares de honra, o carreirismo, etc., os outros deixam de estar fechados e temerosos no Cenáculo, mas saem e tornam-se apóstolos pelo mundo inteiro” (Papa Francisco).

Amados presbíteros, o que aconteceu há aproximadamente dois mil anos, não está fora da nossa realidade atual. “Um itinerário semelhante abraça a nossa vida sacerdotal e apostólica. Também para nós houve uma primeira unção, com início num chamado cheio de amor, que nos arrebatou o coração. Por Ele, soltamos as amarras e sobre um genuíno entusiasmo, desceu a força do Espírito, que nos consagrou” (Papa Francisco).

Ao contemplar a trajetória dos apóstolos exige de nós uma vigilância diária, para não cairmos no clericalismo, não nos fecharmos em nós mesmos e nem anunciar a nós mesmos, mas sim, nos tornarmos verdadeiros pais e pastores do povo santo de Deus ao qual fomos chamados. Regar a nossa vocação diariamente de amor e entrega é fundamental para não perdermos o encanto da missão e nem nos perdermos no caminho. Não podemos deixar, que a fragrância da unção deixe de perfumar a nossa vida e missão.

A presença do Espírito Santo em nossa missão não anula as crises e nem os conflitos, mas nos fortalece, aponta caminhos e nos amadurece enquanto ouvinte e ao mesmo tempo comunicador do Evangelho. Como diz o Papa Francisco: “a maturidade sacerdotal passa pelo Espírito Santo, realiza-se quando Ele se torna o protagonista da nossa vida. Com a ajuda do Espírito Santo, é o tempo para nós, como o foi para os Apóstolos, de uma ‘segunda unção’, em que se acolhe o Espírito não sobre o entusiasmo dos nossos sonhos, mas na fragilidade da nossa realidade. É uma unção que mostra a verdade no mais fundo de nós mesmos e que permite ao Espírito ungir as nossas fragilidades, os nossos cansaços, a nossa pobreza interior. Então a unção volta a perfumar Dele, não de nós” (Papa Francisco).

Amados irmãos e irmãs, o Espírito Santo ninguém vê, mas vemos a sua ação no mundo pelo nosso testemunho. Tirar tempo para dar ouvido à voz do Espírito de Deus é fundamental para não abandonarmos o barco e nem as redes da missão. Seguir Jesus Cristo exige de nós irmos até ao Calvário, acolher a sua lição, aprender a regar a vocação mesmo em tempo de seca, colher os frutos, semear novas sementes e “ir com a ajuda do Espírito Santo até ao fim de uma vida, que deve terminar na perfeição da Caridade divina” (Papa Francisco).

Para que isso aconteça é necessário Re-significar a nossa vocação, voltar ao primeiro amor, ao primeiro chamado. Qual o significado ou sentido que damos à nossa vocação?

A palavra significado deriva do latim “significatus,a,um”, do latim “significare”, que significa mostrar através de indícios ou de sinais. Significado é um substantivo masculino, que significa relação de reconhecimento, de apreço, valor, noção, acepção, sentido, importância, significação, significância, interpretação, relevância que se dá a algo etc.

Refiro-me aqui, significado no sentido filosófico e também conceitual.  Uma adequação entre o que está em nossa mente, mas também no que está em nossa realidade, uma adequação entre a faculdade sensorial e a faculdade mental. Qual é o significado do que a gente faz? Qual é o significado do que a gente vive? Qual é a significação que damos ao nosso trabalho, a nossa missão e a vocação que recebemos de Deus? Fui chamado por Deus para uma missão vocacional. Qual é a minha vocação e qual o lugar que ela ocupa nas minhas escolhas ou prioridades? São perguntas ou inquietações que devemos fazer cotidianamente. E ao encontrar o significado, encontraremos automaticamente o sentido. Qual é o sentido da nossa vida? Qual o sentido de viver o que vivemos, de fazer o que fazemos, de falar o que falamos, de pensar o que pensamos? Qual é o sentido da nossa vocação?

Primeiramente, vamos olhar o significado enquanto aquilo que a gente se dá conta e depois o sentido, para onde? Uma coisa é como eu sou e o que eu sou e depois para onde devo ir? Em nossa missão de ungidos e consagrados, não passa por aquilo que eu quero fazer, mas por aquilo que o Senhor me convida a fazer. Na escala do chamado vocacional, muitas vezes invertemos a tabela. Deus pode se tornar um objeto de manipulação, fazer simplesmente aquilo que eu quero ou desejo. Lembremos da frase de Jesus no momento de extrema dor e angústia. “Meu Pai, se possível, afasta de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt 26,39). 

Ao dizer: “Pai, se possível, afasta de mim este cálice!”, Jesus demonstrou estar apavorado, mas Ele não estava temendo os sofrimentos físicos da cruz, apesar de que a crucificação era a forma mais dolorosa e cruel de execução da época. Definitivamente, Ele não estava com medo de ser açoitado, humilhado, torturado e finalmente morto.

O que deixava Jesus apavorado era a expectativa de ter de suportar todo o peso do seu sim e ter que carregar o pecado de seu povo sobre si, Aquele que nunca pecou se fez pecado por nós (2 Coríntios 5,21).

Jesus não apenas orou pedindo: “Pai, se possível, afaste de mim este cálice!”, mas Ele também acrescentou: “Que não seja feita a minha vontade, mas a tua”. Essa foi uma declaração de completa submissão ou obediência ao Pai. Aceitar, “tomar um cálice” significa suportar completamente certa experiência, seja ela favorável ou desfavorável (Cf  Daniel Conegero, adptado por Dom Paulo Bosi Dal´Bó).

Por sermos homens ungidos e consagrados, numa hermenêutica simbólica, apresento algumas sugestões para nos ajudar a identificar qual o nosso papel, o nosso lugar, onde devo estar, qual a família que devo pertencer ao nos consagrarmos ao Senhor?

Voltemos o olhar para o dia do nascimento de uma criança (o nosso nascimento). Ao nascer, antes ou depois de cortar o cordão umbilical, o primeiro gesto da mãe é aconchegar o filho em seus braços. Antes ou depois de oferecer o primeiro alimento, o recém-nascido tem o seu umbigo ungido, enfaixado, vestido e acompanhado em todo o seu processo de crescimento.

Observem no dia da ordenação Presbiteral, quem unge e enfaixa não é mais mãe ou alguém da família, ou alguém que está próximo e sim o pai espiritual, ou seja, o bispo. O bispo unge, não mais o umbigo, mas as mãos, as enfaixa e observem para onde o ordenando se dirige? Novamente para sua família, não mais para ficar com ela, mas para se despedir. Se a mãe estiver viva é a ela que ele volta primeiramente, se não estiver, o ordenando se dirige ao pai ou a outro membro da família, não mais para ser ungido e enfaixado, mas para que a mãe ou alguém da família lhe tire às amarras que o prendem a família, tornando-se livre no amor a Jesus Cristo e à sua Igreja, no serviço aos irmãos e irmãs. Não é mais a mãe que o abraça e abençoa, mas sim, o filho com as mãos ungidas, que o abençoa e o abraça, abraçando e se despedindo também do pai e dos demais membros da família. Neste momento, ele se despede da família biológica e se torna membro de uma família espiritual maior: a Igreja. É o momento da segunda “castração”.

Observem a atitude do pai espiritual. O mesmo abraço e aconchego que o filho recebeu no dia do seu nascimento, no dia da ordenação recebe de um outro pai, o bispo. Como pai espiritual, o bispo é o primeiro a abraçá-lo, acolhendo-o como filho, em seguida, um dos presbíteros o acolhe como irmão, que a partir deste momento fará parte da nova família de presbíteros. É o irmão mais novo que chega, um novo nascimento. A partir da unção e consagração, enviado pelo bispo sob a luz do Espírito Santo, além de filho, torna-se também pai espiritual e pastor do povo a ele confiado.

Trago neste dia, esta reflexão do coração e do aconchego familiar, para percebermos que o nosso ministério, não pode mais ser pautado ou exercido do jeito que eu quero, a partir dos meus desejos e prioridades, o lugar que devo ou não evangelizar, mas sim do jeito que Deus quer, sendo membro de sua família, a partir das necessidades da Igreja e do Evangelho de Jesus.

Com a minha unção e consagração faço parte agora da família maior. A família de Jesus. “Aqui estão minha mãe e meus irmãos! Pois quem faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12,49-50).

Amados irmãos presbíteros, aproveitemos este dia tão especial da renovação das promessas sacerdotais para ressignificar a nossa vocação ou fortalecer ainda mais a nossa aliança com Deus. É fundamental voltar ao primeiro amor, ao primeiro chamado, contemplar a nossa história vocacional, o dia em que deixamos a nossa casa para fazer parte de uma família maior, que transcende uma questão de consanguinidade a partir da nossa Ordenação Presbiteral. Neste contemplar procuremos celebrar com júbilo cada gesto, cada rito, cada sacramento, cada formação pastoral, cada momento de oração, buscando um reencantamento para os passos seguintes em nossa trajetória de homens consagrados, congregando os fiéis numa só família, num espírito de comunhão e unidade, a fim de poder conduzi-los a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Procuremos trazer sempre para dentro do nosso coração, o exemplo do Cristo Bom Pastor, que veio para servir e não para ser servido. Veio para buscar e salvar o que estava perdido. Assim seja. Amém!


Veja mais