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As reformas de Francisco

Antes da escolha do Papa, o tema das reformas da Cúria Romana era predominante entre os membros do Colégio de Cardeais, responsável pela escolha do futuro Pontífice. E, talvez por isso mesmo, a opção de se escolher um Papa do “fim do mundo” como declarou o cardeal Bergoglio ao ser apresentado à população na Praça de São Pedro, após ser o escolhido, tinha esta intenção subjacente. O fato de não ser europeu poderia contribuir muito no movimento necessário das reformas da Igreja.

Mas que características o Papa Francisco defende para conduzir este movimento? Ao se referir à Cúria Romana, que é um conjunto de dezenas de organismos encarregados de conduzir a Igreja pelo mundo todo, o Papa assim declara pouco antes do Natal de 2014: “É bonito pensar na Cúria Romana como um pequeno modelo de Igreja, ou seja, como um corpo que busca ser, séria e cotidianamente, mais vivo, mais saudável, mais harmonioso e mais unido em si mesmo e com Cristo”. Portanto, não se trata de uma estrutura burocrática e administrativa em primeiro lugar, mas um modelo de Igreja que deveria servir de exemplo para as dioceses, paróquias e comunidades. As reformas do Papa Francisco assim devem impactar todo o conjunto da Igreja, atingindo lá longe nas periferias. Qualquer alteração na estrutura administrativa da Igreja particular deveria seguir esta ideia.

O Papa também tem consciência das dificuldades para implementar as reformas necessárias. E assim às vésperas do Natal de 2017 nos alerta: “Fazer as reformas em Roma é como limpar a Esfinge do Egito com uma escova de dentes. Nela se ressalta a grande paciência, dedicação e delicadeza que são necessárias para se alcançar tal objetivo, dado que a Cúria é uma instituição antiga, complexa, venerável, composta por pessoas de diferentes culturas, línguas e mentalidade que existe para o bem de todo o corpo da Igreja”. Isso nos dá esperança e conforto quando tentamos mudanças nas estruturas paroquiais e de comunidades em escala menor. É sempre um trabalho paciente, humilde e delicado. Mas, em que direção devem caminhar as reformas?

Em 24 de novembro de 2013 o Papa publica a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – A alegria do Evangelho: sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual – e afirma que este documento “possui um caráter programático e tem consequências importantes”; implica uma “renovação individual a partir do coração do Evangelho”. Nasce aqui a ideia de uma “Igreja em saída”. Eis a chave missionária das reformas. Esta é a reforma fundamental conduzida por Francisco. Não é um slogan qualquer, mas um programa de mudanças, que implica todo o conjunto da Igreja. E afirma: “Convido a todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades, superando o projeto do “sempre assim” e renovando as estruturas, os métodos, as linguagens, o papado, as paróquias, a teologia”.

Esta exortação se completa com a Encíclica Laudato Si e a Exortação Amoris Laetitia, sendo esta a que mais reações negativas, principalmente nas orientações a respeito dos divorciados, produziu no interior da Igreja. A resposta do Papa a estas reações é dura: “Um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações ‘irregulares’, como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas”. Refere-se aqui a questão dos divorciados e aqueles em nova união e sua participação na Igreja. Assim, a reforma de Francisco toma como princípios no interior da comunidade eclesial a conversão e a misericórdia. O modelo pastoral deverá ser baseado na lógica da misericórdia.

No que se refere à estrutura, a paróquia deveria assumir formas diferentes com docilidade e criatividade missionária por parte do pastor e da comunidade. Nela todas as forças vivas devem se integrar. A escolha dos futuros padres e bispos deveria ter como critério o perfil de “sacerdotes das ruas” e bispos com cheiro do povo, que favoreçam a comunhão missionária. Às vezes devem estar à frente do povo, outras com o povo e também, se for necessário, estar atrás do povo de acordo com as exigências do momento.

Neste processo de renovação, o princípio da sinodalidade deve preponderar, com o pastor ouvindo o povo e o povo ouvindo o pastor; ao mesmo tempo, deveria ser visível, gradual e buscar sempre o consenso, e não se impor uma reforma de maneira autoritária. A condução deste movimento que deverá atingir a todos deve ser pautada pela caridade, pastoralidade, e pela preservação da comunhão com muita paciência e respeito pelos atrasos. O tempo de cada um deve ser respeitado e assim se dá a renovação da Igreja enraizada na tradição.

O papa faz a reforma da Cúria Romana reorganizando os vários organismos com a ajuda de um Conselho (C 9) composto por 9 cardeais, que também o auxiliam no governo da Igreja. Denuncia a existência de “carreirismo eclesial”, com pessoas carentes ainda de uma profunda experiência espiritual. Denuncia as várias resistências que vai encontrando e reclama das resistências abertas que nascem do diálogo e da boa vontade das pessoas em querer o melhor para a Igreja; e de maneira ele se refere às resistências ocultas e malévolas, que nascem dos corações assustados e empedernidos, e das mentes tortuosas cheias de más intenções que causam muito prejuízo na Igreja, afastando antigos e novos fiéis. A reforma nos organismos também se defronta com as resistências daqueles que dizem “sempre fizemos desse jeito” ou “nunca fizemos isso antes”.

Para concluir este artigo, podemos assegurar que o Papa Francisco manterá até o fim de seu pontificado este movimento de reforma que incluiu toda a Igreja, exigindo assim o mesmo de cada Igreja Particular, de cada paróquia, de cada comunidade, de cada pessoa. Ser fiel neste momento significa caminhar nesta direção. Ele se preocupa muito com o silêncio dos Bispos que ainda não fizeram chegar a reforma em suas Igrejas particulares e não se movimentam contra as resistências ocultas e malévolas que fazem tanto mal à Igreja. Ele tem demonstrado mudanças na escolha dos novos Bispos, buscando pessoas com cheiro do povo e na renovação do colégio de cardeais. Isso deveria garantir a continuidade das reformas ao longo do tempo. E de modo incisivo, queremos concluir com Francisco: “É preciso destacar que a reforma será eficaz única e exclusivamente se for implementada com homens ‘renovados” e não simplesmente com homens ‘novos’. Não basta se contentar em mudar o pessoal, mas é preciso levar os membros da Cúria a se renovarem espiritual, humana e profissionalmente. A reforma da Cúria não se implementa de modo algum com a mudança das pessoas, mas com a conversão das pessoas. Não basta uma formação permanente. É preciso sobretudo uma conversão e uma purificação permanentes”.

Estas são algumas ideias principais para o movimento da reforma da Igreja conduzida pelo Papa Francisco. Agradeço imensamente o convite que o bispo Dom Paulo Dal’Bó me fez para falar na miniassembleia ocorrida em 24 de novembro passado e desejo que a renovação se desenvolva de maneira profunda nestas terras do norte do Espírito Santo, tão carente dos bens do Reino de Deus. Tenho profunda estima e admiração pelo povo de São Mateus, especialmente pelo Bispo atual e seu clero, com quem caminhamos no processo formativo. E mais ainda o meu reconhecimento aos bispos anteriores, padres anteriores especialmente os da família comboniana, e especialmente Dom Aldo Gerna com quem mantivemos sempre um caminho de comunhão e ajuda no processo formativo de seus padres. Obrigado a todos e que Deus nos abençoe neste momento histórico tão desafiador para os cristãos do Brasil. No capítulo IV da Evangelii Gaudium, o programa de reforma aponta a dimensão social com a inclusão dos pobres como um dos maiores desafios. É o grito dos pobres que a Igreja precisa ouvir para ser plena a sinodalidade defendida no programa reformador.

O Papa Francisco em diversas oportunidades tem manifestado grande preocupação coma nova cultura que está se formando. E nos coloca como desafio o desmascaramento das “táticas de cobra”, que são os produtores das fake News, manipuladoras que fomentam a desunião para servir a interesses políticos e econômicos. Ele se refere ao primeiro momento de queda do homem, ainda no Jardim do Éden, quando a serpente produziu a primeira notícia falsa, levando Adão e Eva ao pecado: “Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele (deste fruto) comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal”. Esconde-se aí a sedução traiçoeira e perigosa que se abre no coração do homem com argumentos falsos e atraentes. Francisco nos interroga: “sou um cristão que caminha na estrada da vida ou da mentira?” Como seria possível aplicar o dito do Evangelho de que “a verdade vos libertará?” Por outro lado, o consumo de notícias falsas é como comer fezes, nos alerta o papa.

Os cristãos entram nesse fim de ano no tempo do Advento, esperando o nascimento do Menino Deus. O Natal terá sentido verdadeiro se estiver inserido no contexto da verdade e não da mentira. A prática religiosa cristã no Brasil atual necessita de um profundo exame de consciência. Por este motivo, entendemos que o primeiro passo das reformas de Francisco passa necessariamente por um profundo e sincero “Ato Penitencial”. Somente assim podemos proferir “Bom Natal” aos quatro cantos da terra.

Autor: Prof. Dr. Edebrande Cavalieri

Graduado em Filosofia pela Faculdade Nossa Senhora Medianeira – São Paulo – (1976), curso livre de Teologia pelo ITESP (Instituto Teológico São Paulo), doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2005) e Professor titular de Filosofia da UFES

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