Atos 1,12-14; Sl 86; João 19,25-34
Com um Decreto publicado no dia 03 de março de 2018, pela Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos, o Papa Francisco determinou a inscrição da Memória da “Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja” no Calendário Romano Geral. Esta memória é celebrada todos os anos na Segunda-feira depois de Pentecostes.
Com esta iniciativa do Papa, concretiza-se um percurso iniciado há 57 anos. Era 21 de novembro de 1964, quando São Paulo VI no discurso de encerramento da 3ª sessão do Concílio, durante a promulgação da Constituição Lumen Gentium dedicada à Igreja e aos decretos sobre o ecumenismo e as Igrejas orientais, proclamava diante de mais de dois mil bispos reunidos em São Pedro, Maria como “Mãe da Igreja“.
O motivo da celebração está brevemente descrito no Decreto “Ecclesia Mater”: favorecer o crescimento do sentido materno da Igreja nos Pastores, nos religiosos e nos fiéis, como, também, da genuína piedade mariana.
O Decreto diz: “O desejo é que esta celebração, agora para toda a Igreja, recorde a todos os discípulos de Cristo que, se queremos crescer e enchermo-nos do amor de Deus, é preciso enraizar a nossa vida sobre três realidades: na Cruz, na Eucaristia e na Virgem. Estes são os três mistérios que Deus deu ao mundo para estruturar, fecundar, santificar a nossa vida interior e para nos conduzir a Jesus Cristo. São três mistérios a contemplar no silêncio.”
Em Lucas, nos Atos dos Apóstolos, primeira leitura de hoje, a última imagem de Maria que aparece na Bíblia é aquela de uma mulher em oração, no cenáculo, na primeira comunidade cristã junto aos discípulos. Desse modo, Maria se despede de nós nas Escrituras: Ela é na Igreja aquela que reza com a Igreja, é a Mãe da Igreja. Reza para que venha o Espírito Santo. Ainda agora, reza na Igreja e pede o Espírito, para que o Pentecostes continue no mundo. Esta primeira comunidade em que Maria fez parte é a miniatura do novo povo de Deus. O dom do Espírito Santo expandirá a força desse grupo para além da sala em que por enquanto se encontra reunido.
O evangelho de hoje é segundo São João. Nele, Maria aparece poucas vezes. Dos 900 versículos deste evangelho ela aparece apenas em apenas 16! Mas ela aparece sempre na hora certa e no lugar certo: nas bodas de Caná e no texto do evangelho de hoje. Sempre discreta, sabendo quando entrar em cena, quando esperar e quando sair. Pra ela o importante é “fazer tudo o que Ele mandar”.
O outro texto em que Maria aparece em São João, no final do Evangelho é a cena em que ela vê seu filho agonizante no meio da tortura, escolhido para a Missa de hoje. Esta cena nos faz pensar em tantas mães que choram seus filhos ainda crianças, adolescentes e jovens, mortos pela fome, droga, violência, trânsito ou mau atendimento médico. Nos faz lembrar as mães dos 28 assassinados pela truculência policial nos últimos dias no Rio de Janeiro, na mãe do menino Paulo Antônio Marinho assassinado no morro do Romão no dia 02 de abril em Vitória, pelo próprio padrasto e em todas as mães que veem seus filhos assassinados pelos padrastos Brasil afora. Como têm aumentado esses casos!
Maria rezou ao pé da cruz, uma oração de presença, de silêncio, de fé, de amargura profunda, deixando ao Filho todo o espaço. Era uma oração de amor, em pura adesão ao Filho, para que o Verbo encha o silêncio com sua Palavra: “Mulher, eis o teu filho, Eis a tua mãe”. Jesus morre, ao passo que nasce a Igreja, com Mãe e Filho. A cena de Maria e outras mulheres aos pés da cruz inspirou grandes artistas. É uma cena que merece ser contemplada em silêncio.
João, ao narrar esta cena, não quis contar um fato da biografia de Maria, mas que fosse evangelho de Jesus, Boa Nova. Por isso, desde a antiguidade, muitos cristãos veem nesta cena também um sentido simbólico: na solene Hora de Jesus, de sua morte nasce uma nova vida, a Igreja. Por disposição de Jesus, esta Igreja recebe agora por Mãe aquela que o gerou, educou e entregou à sua missão. A Igreja, sua filha, a ama, louva, implora e sofre com ela.
Qual a Mãe que Jesus dá à sua Igreja? Sem dúvida, é a sua Mãe, mulher cuja fé no amor extremo é fidelidade absoluta ao Filho; mulher cuja fé é amor, seja o que for que aconteça. João já havia apresentado a Mãe de Jesus nas bodas de Caná, como modelo de fé; aos pés da cruz ele deixa ver até onde vai a fé dessa Mãe. Ela é também a mulher provada no fogo na hora da cruz. Jesus concede a nós e à Igreja uma Mãe experimentada no sofrimento, capaz de compreender as nossas dores e de acolhê-las no seu coração materno. Quando faz de sua Mãe a nossa Mãe e Mãe da Igreja, dá a ela também todo o poder para ser este tipo novo de Mãe. Jesus não lhe coloca uma etiqueta com um título de honra, título vazio de poder.
Maria é feita a nossa Mãe com capacidade sem fim de ser Mãe. Isso, porém, provém de Jesus, do único Mediador. Maria pode ou não interceder por nós? Podemos pedir seu auxílio? Por certo que sim, senão tornaríamos vã a Palavra de Jesus. É o próprio Jesus que nos leva à sua Mãe. Eis o que justifica todas as nossas orações, quando vamos a Maria com os nossos problemas.
Quatro mulheres (Maria, irmã de Maria, Maria de Cléofas e Maria Madalena) e um homem (João) junto à cruz de Jesus. Enquanto os algozes zombavam de Jesus elas se mantinham discretamente a distância. Mas, agora, no auge do abandono e de sua humilhação, lá estão elas, cheias de coragem e de dignidade. E não é assim até hoje? As mulheres continuam com a força daquelas quatro representantes delas aos pés da cruz com o mesmo vigor na vida cotidiana e na Igreja.
“Todas as palavras de Nossa Senhora são palavras de mãe, desde o momento da Anunciação até o fim, ela é Mãe”. Essas palavras foram ditas pelo Papa Francisco na Casa Santa Marta, na primeira Missa celebrada em memória da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, em 21 de maio de 2018. E explicava como os Padres da Igreja haviam entendido que a maternidade de Maria era a maternidade da Igreja.
Ao salientar a dimensão feminina da Igreja e também a importância da mulher, afirmou: “Sem a mulher a Igreja não vai em frente, porque ela é mulher, e essa atitude da mulher vem de Maria, porque Jesus assim o quis”.
“Maria, Mãe da Igreja, ajuda-nos a entregar-nos plenamente a Jesus, a crer no seu amor, sobretudo nos momentos de tribulação e de cruz, quando nossa fé é chamada a amadurecer”. (Francisco, 10/06/19, na 2ª festa de hoje).