A Espiritualidade Mariana em tempos de Pandemia

A Virgem Maria é fonte de inspiração para numerosos cristãos, que sempre recorrem a ela em tempos de aflição espiritual em busca de conforto para a alma, ou quando em tempos de bonança para agradecer os benefícios alcançados.

Maria foi a primeira a ser evangelizada ao receber em sua presença o Anjo (Lc, 1 26-28) enviado do Pai, para anunciar-lhe a Encarnação do Verbo Divino. Foi a primeira a receber com solicitude a mensagem da salvação ao acolher em seu ventre virginal o Verbo encarnado, o “Filho de Deus” (Lc 1, 35). Em concordância como teólogo Clodovis Boff, afirmamos que Maria teve a primazia na obra da evangelização, pois ao visitar sua prima Isabel (Lc 1, 39-45) ela “aparece […] como a ‘primeira evangelizadora’, que leva por primeiro a mensagem da Boa-Nova: O Messias Salvador chegou, isso porém depois de ter sido a ‘primeira evangelizada’” (BOFF, 2009, p. 44), e se tornar por meio da evangelização do anjo o “cofre que guarda o Tesouro” ou “a arca da Aliança” (BOFF, 2009, p. 18).

Ao se identificar como serva humilde do Senhor (Lc 1, 48), Maria nos ensina uma virtude muito cara e pouco assimilada no presente. Vive-se hoje a agitação motivada pelo mercado de consumo, que incita no ser humano desejos por vezes egóicos (egoístas) em que o ter é posto numa perspectiva superior ao ser. Com isso a reciprocidade, o fazer com, a comum-união e outras virtudes propriamente humanas são esquecidas ou mesmo evitadas. E ainda mais produz no coração humano o revanchismo desmedido e inconsequente.

Maria é o “trono da Sabedoria” (BOFF, 2009, p. 18). Ao contemplar a sua atitude diante dos desafios que enfrentara, encontra-se um manancial de vocação, amor e fidelidade ao ‘sim’ que manifestara ao apelo divino. Para superar o egoísmo que brota constantemente no coração humano, é bom recorrer à sua materna intercessão. Pois, ao olhar para os seus filhos e filhas amados, (com o mesmo olhar de serva humilde quando se dirigiu ao Pai), oriente-os afim de que superem as tentações da carne e se coloquem como “seguidores do caminho” (At 9, 2).

As mulheres e os homens que se colocam sob a materna proteção de Maria nutrem por ela um afeto filial e se espelham nela para superar as tribulações da vida. Esta relação filial entre os filhos e a mãezinha querida é estabelecida por meio das devoções populares “como o terço, as novenas, as promessas, as fórmulas de consagração, as romarias” que “são manifestações do coração” (MURAD, 2012, p. 209), dos seus filhos e filhas amados em virtude das graças alcançadas.

Fácil é encontrar histórias de pessoas e mesmo de comunidades que alcançaram grandes graças por intercessão da Virgem de Nazaré. Eis o relato de Haroldo Rahm (1985, p.96).

“Em 1737 terrível peste devastou o México de ponta aponta. Por toda a parte se fizeram penitencias públicas, procissões e preces. Só na Cidade do México centro da epidemia se fizeram setenta novenas solenes. Estava reservado a Nossa Senhora de Guadalupe restituir a saúde do país. Mal as autoridades civis e eclesiásticas começaram a deliberar a cerca da nomeação de Nossa Senhora de Guadalupe como Padroeira da cidade começou a peste a arrefecer. Quando esta notícia chegou às Províncias, todas cidades e aldeias castigadas fizeram votos de, também elas, tomarem Nossa Senhora de Guadalupe por padroeira e obtiveram proteção idêntica à que experimentara na capital” (RAHM, 1985, p. 96).

Este relato manifesta a confiança e a fé do povo mexicano na intercessão maternal de Nossa Senhora de Guadalupe, a ponto de dedicarem todo o País a sua proteção. Maria é solícita e atenta às necessidades de cada filho espiritual que a ela recorre em busca de alívio para corpo e para a alma.

Por meio da intercessão de Maria, Deus atende prontamente as súplicas dos seus filhos e filhas amados. Na festa de “casamento em Caná da Galileia” (Jo 2, 1-11), Maria se mostra atenta e percebe a carência de vinho e intercede em favor dos noivos, e Jesus atende suas súplicas. O papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2014, p. 225) disse que “como uma verdadeira mãe, ela caminha conosco, luta conosco e aproxima-nos incessantemente do amor de Deus”. Se num ambiente festivo ela salvaguarda a alegria da festa, quanto mais não salvaguardará a saúde a seus filhos em tempos de calamidade para a vida humana.

A crise instaurada pela pandemia do coronavírus exige dos cristãos e mesmo dos não cristãos a consciência humanitária. O observar as recomendações sanitárias de higiene pessoal e coletivas se tornam expressões de amor consigo e ao próximo. Assim, quem cuida de si mesmo, cuida e protege também a sua família e toda sociedade. Esta é uma característica da Virgem Maria. Ela se preocupa com todos. É prestativa e está sempre disponível para cuidar da vida e o bem comum. Em tempos de grandes tribulações é imperativo que os cristãos, sobretudo, os católicos se aproximem mais de Deus, por meio da oração, seja ela pessoal, familiar ou em comunidade. O importante é se conectar com o sagrado por meio de súplicas.

A oração que brota espontaneamente do coração coloca a pessoa em contato com as suas realidades mais íntimas. Neste momento é oportuno fazer uma reflexão pessoal e pedir a Deus o perdão para as faltas do dia-a-dia, agradecer por tudo que generosamente ele provê para o bem do homem, suplicar em favor das necessidades pessoais e comunitárias, sem esquecer-se das pessoas em situação de rua, os indígenas, os quilombolas, os povos nômades, os que vivem nas periferias das grandes cidades e por todos os que carecem de proteção contra os males deste mundo.

As devoções marianas são um importante canal de ligação espiritual com o divino. Em geral as devoções “tem grande força simbólica e ritual” (MURAD, 2012, p. 208), sendo memorizada com facilidade e garantindo ao crente maior domínio e segurança para rezar. “É como se o ritual tivesse uma potência mágica, cujo segredo reside na disposição das palavras e dos gestos” (MURAD, 2012, p. 209).

Na carta para o mês de maio, endereçada aos católicos, o papa Francisco diz: “pensei propor-vos a todos que volteis a descobrir a beleza de rezar o Terço em casa, no mês de maio. Podeis fazê-lo juntos ou individualmente: decidi vós de acordo com as situações, valorizando ambas as possibilidades. Seja como for, há um segredo para bem o fazer: a simplicidade; e é fácil encontrar, mesmo na internet, bons esquemas para seguir na sua recitação”.

Em virtude do sim de Maria ao projeto salvífico de Deus, ela participa da missão de Jesus (ser o mediador entre Deus e o homem).  Quando se recorre às intercessões de Nossa Senhora, ela aponta diretamente para o Cristo, pois a sua vida está voltada exclusivamente para aquele que ela santamente concebeu. Por isso, os cristãos podem e devem reclamar com confiança, fé e amor os méritos da Virgem Maria, em todos as circunstâncias de suas vidas, com a segurança de que ela escuta atentamente a cada pedido e cada oração recitada e meditada no coração dos fiéis e as deposita diretamente nas mãos de seu Filho, Cristo Jesus.

REFERÊNCIAS

BOFF, Clodovis. Mariologia: Iniciação à Teologia. ___. Introdução geral à Mariologia. 7. ed. Petrópolis: Vozes. 2019. p.18

BIBLIA. N.T. Bíblia Sagrada. Tradução Oficial CNBB. 1. ed. São Paulo: Edições CNBB. 2018.

BOFF, Clodovis. Mariologia: Iniciação à Teologia. ___. Maria no Novo Testamento: Mariologia em Lucas. 7. ed. Petrópolis: Vozes. 2019. p.45

FRANCISCO, Papa. Evangelii Gaudium. ___. Evangelizadores com Espírito: Maria a mãe da evangelização. 1ª. ed. São Paulo: Paulinas. 2014. p. 225

FRANCISCO, Papa. Carta do Papa Francisco a todos os fiéis para o mês de maio de 2020. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2020//documents/papa-francesco_20200425_lettera-mesedimaggio.html.> Acesso em: 02/05/2020.

MURAD, Afonso. Maria: Toda de Deus e Tão Humana. ___. Maria na Devoção e na Liturgia: Maria e as “Nossas Senhoras”. 1. ed. São Paulo: Paulinas.  2012. p. 208

MURAD, Afonso. Maria: Toda de Deus e Tão Humana. ___. Maria na Devoção e na Liturgia: Devoção, Continuidade e Renovação. 1. ed. São Paulo: Paulinas.  2012. p. 209

RAHM, Harold. Mãe Das Américas.___. Progressos da Devoção. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola. 1985. p. 96

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